Foto Pedro Loureiro-Ler |
Já está confirmado: dia 5 de Novembro António Lobo Antunes vai estar na Arquivo.
Até lá, aqui fica a primeira página de "Sôbolos rios que vão", que nos chegou hoje às mãos:
«21 de Março de 2007
Da janela do hospital em Lisboa não eram as pessoas que entravam nem os automóveis entre as árvores nem uma ambulância que via, era o comboio a seguir aos pinheiros, casas, mais pinheiros e a serra ao fundo com o nevoeiro afastando-a dele, era o pássaro do seu medo sem galho onde poisar a tremer os lábios das asas, o ouriço de um castanheiro dantes à entrada do quintal e hoje no interior de si a que o médico chamava cancro aumentando em silêncio, assim que o médico lhe chamou cancro os sinos da igreja começaram o dobre e um cortejo alongou-se na direcção do cemitério com a urna aberta e uma criança dentro, outras crianças vestidas de serafim de guarda ao caixão, gente de que notava apenas o ruído das botas e portanto não gente, solas e solas, quando a avó no muro com ele desistiu de persignar-se sentiu o cheiro de compotas na despensa, vasos em cada degrau da escada e como os vasos intactos não acontece fosse o que fosse, por um triz, estendido na maca à saída do exame, não perguntou ao médico
- Não aconteceu fosse o que fosse pois não?
e não aconteceu fosse o que fosse dado que os vasos intactos, a avó que morreu há tantos
anos ali viva com ele, o avô defunto há mais tempo a ler o jornal com o seu aparelho de surdo, o silêncio do avô...»
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