quarta-feira, maio 19

Mário de Sá-Carneiro [Lisboa, 19 de Maio de 1890 – Paris, 26 de Abril de 1916]

MARIO DE SÁ-CARNEIRO
19 de Maio de 1890

Com uma cerveja fresca junto ao mar (o inferno hoje que fique todo para o Rimbaud), no aniversário de Mário de Sá-Carneiro...


Quase
Um pouco mais de sol ? eu era brasa,
Um pouco mais de azul ? eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d´asa?
Se ao menos eu permanecesse aquém..
Assombro ou paz? Em vão? Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho ? ó dor! ? quase vivido?
Quase o amor, quase o triunfo e a chama.
Quase o princípio e o fim ? quase a expansão?
Mas na minh´alma tudo se derrama?
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo? e tudo errou?
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim? -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou?
Momentos d´alma que desbaratei?
Templos aonde nunca pus um altar?
Rios que perdi sem os levar ao mar?
Ânsias que foram mas que não fixei?
Se me vagueio, encontro só indícios?
Ogivas para o sol ? vejo-as cerradas;
E mãos d´herói, sem fé, acobardadas.
Puseram grades sobre os precipícios?
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí?
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi?
Um pouco mais de sol ? e fora brasa.
Um pouco mais de azul ? e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe d´asa?
Se ao menos eu permanecesse aquém?

Paris, Maio de 1913


Nascido em Lisboa em 19 de Maio de 1890, Mário de Sá-Carneiro viveu a sua infância e adolescência de forma angustiada e solitária. Matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra em 1911, mas não chegou a completar o primeiro ano, decidindo posteriormente ir para Paris, para a Sorbonne, com um objectivo semelhante, que novamente não viu realizado, não chegando a acabar o curso, devido aos problemas mentais e materiais que atravessou.

Foi, juntamente com Fernando Pessoa e Almada Negreiros, entre outros, um poeta de Orpheu, a conhecida revista portuguesa divulgadora das vanguardas artísticas e literárias de inícios do século XX que tanto choque e entusiasmo provocou em Lisboa no seio das elites cultas. No entanto, o seu estado mental deteriorava-se cada vez mais, situação que culminou com o seu suicídio, em 1916, no momento em que o terceiro número do Orpheu estava pronto para ser publicado.
A escrita de Sá-Carneiro, maravilhosamente profunda e reflexiva, é marcada por um tom intimista, assim como pela sua neurose e dilemas existenciais. São várias as obras da sua autoria publicadas pela Assírio & Alvim, entre as quais se encontram A Confissão de Lúcio e Céu em Fogo.

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